Abordaremos a integralidade no contexto do que chamamos de “os novos paradigmas da
atenção em saúde mental”. Ao discutir a integralidade, levando em conta o referencial acima
delineado, vamos trabalhar a natureza do cuidar e duas questões que obrigatoriamente
compõem essa natureza: oferta/seleção e inclusão/exclusão.
Iniciaremos exemplificando a prática usual a ser superada, pois nela a seleção é o critério
básico da oferta de programas: até há pouco tempo, para ser atendido no Instituto dos Cegos,
qualquer outra incapacidade adicional (por exemplo, ser portador de deficiência auditiva ou ser
paraplégico) era impeditivo de inclusão nos programas daquela instituição, pois para eles
existem o Instituto de Surdos e a ABBR. Se o paciente é psicótico e, além disso, está em
cadeira de rodas, conseqüentemente não tem possibilidade de acompanhar os diversos
programas existentes nos ambulatórios – em geral estes têm escadas ou não têm banheiros
adaptados, pois, afinal, é um serviço para psicóticos. Ou seja, a presença de várias deficiências
ou desvantagens torna o cliente não selecionável para o “programa” e ainda hoje o critério de
exclusão é o hegemônico, pois a premissa de política pública aplicada durante várias décadas
somente leva em conta “um” problema.
Essas práticas têm como base a forte determinação nosológica ou taxonômica das
intervenções em saúde, sobretudo a partir da influência norte-americana na formação dos
profissionais de saúde, o chamado modelo flexneriano, implantado a partir dos anos 40 do
século passado. Portanto, seleção e exclusão caminham juntas.
A saúde mental é o primeiro campo da medicina em que se trabalha intensiva e
obrigatoriamente com a interdisciplinaridade e a intersetorialidade. Quando falarmos das
experiências inovadoras, esses dois conceitos estarão juntos. Para entendermos como
chegamos até este ponto, colocaremos uma sistematização, menos preocupados com o rigor
científico, mas com elementos conceituais e práticos que determinaram uma ou outra
organização dos serviços e suas conseqüentes formas de intervenção:
Assistência Psiquiátrica – Modelos de Atenção
Período Pressupostos Serviço
Até os anos 70 Preventivismo Simplificado
Especialização Hospícios
Anos 70 – 80 Especialização Hospícios ou AMB
Setorização Especializados
Anos 80 – 90 Racionalidade Porta de entrada
Regionalização Rede serviços regionais
Hierarquização Referência / contra-referência
Intensidade
Anos 90 Território Responsáveis regionais
Diversificação Único / integral
Complexidade Rede social Tendência no Inversão modelo PSF / PACS
ano 2000 Cidade saudável Sem serviço
Internação domiciliar
Por essa sistematização, observa-se que as premissas às quais nos referimos, tais como
seleção e conseqüente exclusão, permeiam as políticas para a área de saúde mental, desde a
incorporação da loucura como objeto da medicina, ocorrida no século XVIII, até o início dos
anos 90.
E onde entra a questão da integralidade? Entram aqui questões de natureza ideológica e de
natureza técnica. A primeira diz respeito à condenação da segregação, por ferir direitos à
convivência e ao livre arbítrio, e a segunda, ao negar o isolamento como instrumento
terapêutico, paradigma essencial à sobrevivência do hospício. A negação do papel do isolamento, aliada à compreensão de que o que deve ser cuidado é o
indivíduo e seus problemas e não somente o seu diagnóstico, determinam um olhar “integral”
da situação. A pergunta que se segue é: que modelo adotar para atender à integralidade?
Temos acompanhado a formulação proposta por Benedetto Saraceno, diretor do Departamento
de Saúde Mental da OMS, segundo a qual ele insiste na necessidade de se superar a idéia de
modelos e trabalhar com premissas.A integralidade está implícita nos três indicadores propostos por ele, com destaque no menu de programas, onde assistência é apenas um dos itens obrigatórios de qualquer proposta
abrangente, cidadã e ética.
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