terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Uma Tentativa de incluir- los na sociedade Brasileira

Na ânsia de transformar o Brasil em uma nação “desenvolvida” e “progressista”, psiquiatras, advogados e sociólogos, impregnados pelas idéias eugênicas em voga na Europa, identificaram na formação racial brasileira a causa do atraso do país e formularam propostas para a melhoria do povo brasileiro. Suas propostas incluiam tanto a higienização do espaço público:derrubada de cortiços, alargamento das avenidas, construção de vilas
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operárias, quanto a disciplinarização das pessoas do povo incutindo valores como o trabalho e a moralidade sexual burguesa por exemplo. Aqueles / aquelas que foram identificados como “desviantes” receberam dos aparelhos do Estado, os tratamentos recomendados e reconhecidos como necessários: a internação era o mais utilizado deles.
No bojo dos discursos eugênicos e civilizadores, em 1934 foi assinada por Vargas a primeira lei da República voltada para o tratamento dos “doentes mentais”, de acordo com esta lei, a família e o poder público tinham o direito de internar pessoas “loucas” ainda que sem o consentimento das mesmas. Tal arbitrariedade só seria combatida pela Lei 10.216 de 06∕04∕2001 , foram 67 anos de injustiças e violências de todos os tipos, violências que começaram a ganhar visibilidade na segunda metade dos anos 1980 com o processo de redemocratização da sociedade e do Estado brasileiros. Nestas quase sete décadas, a internação foi considerada a única medida capaz de conter as vítimas da “desrazão”. Os doze anos de tramitação (engavetamento?) da Lei 10.216 indicam não apenas interesses em conflito (por exemplo, hospitais conveniados ao SUS e indústria de psicofármicos) mas também o reconhecimento por parte da sociedade brasileira dos manicômios como instrumentos de disciplinarização, que incluem perversamente os∕as transgressores∕ transgressoras, e constroem seres e locais abjetos :
“ Esta matriz excludente pela qual os sujeitos são formados exige, pois, a produção simultânea de um domínio de seres abjetos, aqueles que ainda não são “sujeitos”, mas que formam o exterior constitutivo relativamente ao domínio do sujeito. O abjeto designa aqui precisamente aquelas zonas “inóspitas” e “inabitáveis” da vida social, que são, não obstante, densamente povoadas por aqueles que não gozam do status de sujeito, mas cujo habitar sob o signo do “inabitável” é necessário para que o domínio do sujeito seja circunscrito.” (Butler,1999:155)
Pensar as condições de vida e tratamento nos manicômios do Distrito Federal e região do Entorno, implica pensar o sistema manicomial no Brasil neste início de século. Quais são os entraves presentes no Sistema Único de Saúde (SUS) que levaram , em 18 de maio de 2006, a governadora do Distrito Federal a lançar um “projeto de política pública para a Saúde Mental no DF”, que prevê a reforma do Hospital São Vicente de Paula, o aumento do número de leitos, a criação de seis novos Centros de Atenção Psicossocial
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(Caps) e de três a seis residências terapêuticas? Sintomática a declaração do secretário de Saúde do Distrito Federal: “Queremos resgatar a cidadania e promover a reintegração social dos pacientes”(itálicos meus)1. Ora, só é possível resgatar aquilo que se perdeu, ou que foi tomado por alguém, nesse sentido, é preciso identificar as condições que possibilitaram o seqüestro da cidadania dos internos e os equipamentos que supostamente permitirão sua “reintegração social”. Identificar os internos como “desintegrados” ou simplesmente “não-integrados” exige a elaboração e implementação de políticas públicas estratégicas, exige não ser aprisionado por uma rede discursiva que justifica a lentidão dos processos e a percepção das inúmeras questões que afligem esta população como não-prioritárias.
Este projeto propõe realizar o cruzamento entre loucura, raça e gênero considerando as questões relacionadas a raça e ao gênero estruturantes da sociedade brasileira. Fundamental para a solidificação do Estado democrático de Direito no Brasil é a transformação dos olhares e práticas que cercam e definem as “populações abjetas”, inadmissível é assentir que estas populações permaneçam como instrumentos para a manutenção de práticas violentas, degradantes e desumanizantes que têm como cenário instituições de saúde públicas e conveniadas ao SUS.

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